Cursos De Automação: O Modelo De Ensino Tradicional E Suas Consequências Para O Profissional Iniciante
Outro dia, em conversa com uma colega de serviço que é formada em automação, ela me disse que certa vez uma conhecida dela chegou e perguntou:
“-Como você fez para aprender automação?”
E a resposta que ela deu foi algo do tipo:
“- Apanhando!”
É irônico saber que as duas pessoas em questão fizeram curso de automação. A resposta mais óbvia então deveria ser:
“- Na faculdade de controle e automação, ora!”
Mas nem sempre é assim. Aliás, dificilmente é assim. Ao escutar este caso de minha colega, me lembrei diversas ocasiões em que me fizeram este mesmo tipo de pergunta. Pessoas que passaram por curso superior, profissionalizantes e técnicos na área. Mas que mesmo fazendo um curso, ainda sim chegava no mercado com dificuldades de fazer uma ligação entre o que foi aprendido e as atividades práticas. E fazendo uma autoanálise, eu também fui uma pessoa que teve este mesmo tipo de problema e tive a mesma dúvida que todos os demais tiveram. Talvez o sentido oculto da pergunta é que não foi percebido por nós. Se tivéssemos percebido, ao invés de perguntar “-Como você fez para aprender automação?” a pergunta mudaria para “-Como você fez para aprender automação de forma que é cobrada na prática?”. Seria uma pergunta assim ou pelo menos nesse sentido.
Parte desta dificuldade quando saímos do mundo acadêmico e partimos para o profissional é natural de acontecer, pois a pessoa está se inserindo no mercado, o estilo de vida muda muito de um estudante para um profissional e tem a curva de aprendizado. Mas boa parte desta dificuldade, ao pensar mais profundamente, também vem pelo fato de que o modelo tradicional de ensino (no meu caso estou falando de cursos voltados para automação industrial) não prepara muito o aluno para um ambiente real de desenvolvimento de aplicações de controle e automação. Eu mesmo fiz cursos de programação de CLP, estudei programação na faculdade, gostava de ler materiais técnicos e mesmo assim tomei um choque ao participar pela primeira vez em um projeto real. E foi justamente porque todos os tipos de abordagens que tive nos cursos / treinamentos foram abordagens acadêmicas, sem tratar (mesmo que de forma leve) questões práticas.
Cursos de automação / programação de CLP encontramos vários. Mas o mercado está com um déficit de cursos com uma abordagem mais prática, orientada a projetos reais. Foi baseado neste discurso que tive com minha colega, fiz uma análise de algumas consequências que enfrentamos devido à falta de uma abordagem voltada para um ambiente real em cursos / treinamentos de automação. Será que você se identifica ou já teve alguma delas?
Profissional com abismo entre conhecimento teórico e prático
Uma das principais dificuldades que um iniciante na carreira irá se deparar é com a falta de conhecimento prático. É porque a maioria das metodologias de ensino possui uma abordagem teórica do conteúdo, e não prática. E o que isto quer dizer?
Se você já participou de aulas de programação de CLP, por exemplo na faculdade, em cursos técnico, profissionalizante etc. perceberá que o instrutor irá ensinar o que é um CLP, como utilizar o software de configuração e algumas dúzias de instruções, como TON, TOF, CTU e por aí vai. Depois irá lhe passar um enunciado, descrevendo um cenário em que você terá de desenvolver uma aplicação para resolver o problema de automação proposto.
Não que esta metodologia seja ruim. Aliás, em minha opinião ela é altamente necessária para dar os primeiros passos para aprender a programar CLPs. O problema maior deste modelo é que ele para justamente neste ponto. Então você chega em seu novo emprego como programador sabendo de várias instruções de CLP, como conectar, fazer download etc. E é então que você recebe o primeiro choque de realidade.
Seu chefe ou cliente irá lhe passar uma série de documentos, como lista de I/O, Diagrama P&ID, manuais, descritivos funcionais e lhe pede para fazer o software de controle. E você nesta hora (é claro, sem deixar os outros perceber) toma aquele susto e talvez até se pergunte: “- Mas cadê o enunciado bonitinho, com desenhos e rabiscos, nome das entradas e saídas, igual ao que meu professor me passou para fazer a lógica de semáforo?”
Aí você irá consultar uma aplicação já desenvolvida em projeto e irá tomar mais outro choque. Diferente das aplicações que você fazia no ambiente acadêmico, as aplicações industriais são enormes, podem possuir diversas linguagens de programação, como DBF, SFC, ST. Mas você ainda está preso nas lógicas pequeninas em Ladder que aprendeu na escola.
Os métodos de ensino tradicionais não formam alunos que estão mais preparados a enfrentarem esta transição entre o mundo acadêmico e o profissional. E esta falta de preparo custa muita energia e causa muita frustração e estresse quando estes alunos se deparam com projetos reais.
Gasto de energia / tempo correndo atrás de conhecimento
Este é uma dificuldade vem como consequência do item anterior. Quando o novo profissional percebe o enorme abismo entre as habilidades técnicas que ele adquiriu no mundo acadêmico x as habilidades técnicas necessárias para entregar as tarefas atribuídas a ele, uma das primeiras ações a se fazer é correr atrás de informações/conhecimento. E nem sempre este profissional irá trabalhar em uma empresa que lhe irá dar suporte ou até mesmo tempo para assimilar os conhecimentos necessários. As tarefas são atribuídas e os prazos de entregas são cobrados. E se ele atende diretamente a clientes finais (no caso dos profissionais liberais), estará mais sozinho ainda nesta jornada de “correr” atrás do aprendizado. Esta busca geralmente é feita de várias formas:
Cursos e treinamentos: É frustrante ter acabado de se formar e precisar de procurar por conhecimento que em teoria deveriam ter passado para você, né? Mas uma das formas que os novos profissionais procuram no início da carreira para “correr atrás” do conhecimento necessário é encontrar por cursos e treinamentos específicos que o ajudarão nas tarefas atribuídas. O grande problema é justamente o que foi dito a respeito dos modelos tradicionais de ensino.
Mesmo com muitas ofertas de cursos em diferentes canais, estes cursos não possuem uma proposta diferente das propostas tradicionais e não focam em ensinamento prático. Alguns sites e canais do Youtube, por exemplo podem possuir materiais voltados à prática, mas são muitas informações descentralizadas, e muitas das vezes repetitivas e cabe ao usuário ficar “catando” informações relevantes entre diversos canais e tentar consolidá-las para atender às necessidades dele. Ou seja, mais um trabalho para ele. Além da energia gasta separando o que realmente importa, o aprendizado fica desorganizado, sem uma lógica a seguir. Um fator que pesa muito também é que geralmente o profissional não vai fazer isto no horário de serviço (pois afinal, ele tem as entregas a apresentar) e terá de utilizar boas horas de seu horário de descanso.
Colegas de trabalho: Um dos itens chave para o sucesso em sua carreira é ter um bom relacionamento / comunicação / conexão com a equipe. E não há nada errado em pedir ajuda aos colegas de trabalho. Quando você expõe sua situação e sua dificuldade pode lhe dar a oportunidade de crescer e até mesmo de encontrar um bom mentor, aquela pessoa que é cooperativa, tem muito a lhe passar e, acima de tudo, está disposta a lhe ajudar. Se você tiver um bom relacionamento, na maioria dos casos você conseguirá ajuda de seus colegas de trabalho.
A situação pode ficar frustrante e estressante em ambientes onde não há muita cooperação entre a equipe. Esta falta de cooperação pode ser originada de diversos fatores, como:
- Ambiente onde há uma cultura de competitividade entre os funcionários. Neste tipo de ambiente os funcionários não têm uma cultura de cooperação, já que cada colega de trabalho é um potencial “oponente”. Neste caso, ao expor sua condição, pode ser que dependendo da pessoa, ela possa utilizar isto contra você.
- Funcionários inseguros, que acham que ensinando um “novato” fará com que este “novato” tome seu “posto”;
- Empresas que adotam a jornada em home office, o que faz com que as interações pessoas diminuem;
- Ambiente onde todos estão trabalhando sob pressão. Neste tipo de ambiente, a pressão para a entrega dos resultados sempre deixa os funcionários em uma situação de pressa e estresse, desestimulando os mesmos a dedicaram um tempo para ajudar ao próximo (ou pelo menos ajudar de uma forma mais decente).
Projetos passados: É uma outra forma onde você pode encontrar diversas informações. Não é preciso reinventar a roda a cada novo projeto e projetos passados podem nos dar um bom ponto de vista para a execução de novos projetos. Novamente, o gasto de energia é muito, pois além de estudar a documentação do projeto em que você está trabalhando, terá de entender a documentação de outro projeto. E apesar de um projeto herdar muitas definições de um projeto antigo, raramente será uma cópia exata. Sempre há variações de especificações dependendo do cliente, planta, segmento de atuação etc. e o fato de ter de estudar um segundo projeto, entender as diferenças e aplicar as semelhanças irá redobrar redobrando o seu esforço. E novamente, geralmente você terá tempo para fazer este tipo de análise somente nos horários em que deveria descansar, pois no horário comercial você estará ocupado com as atividades corriqueiras.
Profissional mal preparado para entender a dinâmica de programação no mundo real
Há uma diferença enorme entre programar um CLP de uma maleta didática, como nos cursos tradicionais e programar um PLC de processo, que irá controlar dezenas, centenas de equipamentos. Vamos ser racionais: Não há como replicar um processo industrial em uma sala de aula, né? Não dá para programar uma correia transportadora de 2km morro abaixo ou um moinho de bolas em uma sala de cursinho. Mas daria para acrescentar ao conteúdo teórico do curso discussões de como é a dinâmica de programar equipamentos em campo e algumas “maldades” que devemos ter, para chegarmos menos “inocentes” ao mercado de trabalho.
Eu lembro que sempre que o professor me passava uma lógica para desenvolver, a cada linha ou instrução Ladder que eu alterava, o professor dizia: “-Agora faça o download e teste!”. Na época eu fazia download em um CLP de bancada como se estivesse trocando de roupa. Mas descobri o pavor que esta palavra causa quando comecei a trabalhar com um PLC de processo. E já passei aperto / vergonha por esta “inocência”. E há muitos detalhes sutis que fazem toda a diferença quando saímos de um ambiente acadêmico e vamos para um ambiente industrial, alguns deles até já abordados neste post e neste também.
Outro problema dos cursos tradicionais é a falta de orientação para a prática. Nestes cursos somos treinados a ler enunciados cheio de detalhes e ilustrações e sair programando de forma reativa. Este modelo nos ensina a ser bom em instruções e interpretação de texto (enunciados), porém não nos prepara nem um pouco a sermos bons em interpretação de documentação técnica e implementação de projetos.
Deficiência de cursos que fogem do modelo tradicional de ensino
Você pode procurar por cursos de automação que fogem desta abordagem tradicional de ensino e pode encontrar alguns pontuais, mas se encontrar, pode ser que tenha feito uma busca bem aprofundada em ferramentas de pesquisas. O mercado está carente de cursos que deixam o aluno mais preparado para o mercado profissional. Quando falo preparado, não falo de um aluno que domina uma ferramenta de programação de determinado fabricante ou que conheça todas as instruções da norma IEC61131-3. Falo de um aluno que terá menos surpresas, estresse e cansaço para tentar eliminar a grande lacuna de conhecimento entre o que foi lhe ensinado no mundo acadêmico e o conhecimento que ele precisa para se dar bem no ambiente profissional.
Dificuldade em provar seu valor em entrevistas
Se você tiver de escolher um profissional para consertar seu veículo (se ainda não possui um, apenas assume que tenha ), e tivesse de escolher entre um que acabou de fazer um treinamento totalmente teórico ou outro que fez um treinamento com uma abordagem mais prática? Pelo menos entendo que a maioria das pessoas responderão que escolheriam o segundo profissional.
Quando um empregador está avaliando seu currículo, ele irá comprar as habilidades que você tem com a dos demais candidatos à vaga. Às vezes ele não quer contratar um profissional com 10 anos de experiência, mas um iniciante que tenha uma boa visão prática das coisas. E ele irá testar se você tem esta visão não somente pelos nomes dos cursos que você colocou no currículo, mas também pelas respostas que você dará a ele quando perguntado de questões técnicas.
Muitas das vezes um candidato recém formando não é contratado pelo fato de não ter experiência, mas sim porque este candidato não foi treinado com as habilidades necessárias para realizar as tarefas relacionadas a vaga.
Quem tiver uma boa prática sai em vantagem a aqueles que não tem. Às vezes esta visão prática terá um peso bem maior que uma enorme quantidade de cursos e será o divisor de águas naquele momento da entrevista.
Se você não tem uma visão muito prática, terá dificuldade de provar seu valor e sairá em desvantagem em entrevistas técnicas. Mesmo que tenha dez cursos voltado para teoria, poderá perder a vaga para um candidato que fez apenas um curso bem orientado à prática.
Finalizando
O projeto iToT Hub nasceu com uma proposta diferente, de trazer conteúdos que geram valor ao público. Somos um grupo de engenheiros com anos de experiência em desenvolvimento e implementação de projetos de controle de automação e entendemos muitas das dificuldades de quem está começando no mundo do IT e OT.
Acreditamos que podemos compartilhar de nosso conhecimento adquirido ao longo dos anos para ensinar algumas habilidades que realmente irão agregar valor em sua carreira. São conhecimentos que você não aprenderá em escolas e não encontrará em livros. O que você irá aprender aqui vem do que nós adquirimos ao longo dos anos de nossas carreiras.
Se você está iniciando sua carreira no mundo da automação industrial ou desejando levar seu conhecimento / carreira a um nível superior, fique ligado com a gente. Em breve traremos novidades!
Se você já se deparou com alguma destas dificuldades que foi tratada neste post ou alguma outra que não foi falada, seria uma ótima oportunidade de poder compartilhar com a gente, postando nos comentários abaixo.
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