O Efeito Dunning-Kruger e sua jornada de aprendizado em automação
O assunto que vou falar neste post desta vez será um pouco diferente. Este post terá uma abordagem psicológica e não técnica, mas que não é menos importante em sua jornada de aprendizado e desenvolvimento, seja em automação industrial ou em qualquer outra área. Se trata de um fenômeno que foi batizado como Efeito Dunning-Kruger. Vamos então saber!
O efeito Dunning-Kruger se refere a um viés cognitivo de que uma pessoa que tem uma certa deficiência (ou baixa competência) em um determinado assunto nega ou parece não ter a consciência de sua própria deficiência. Isto faz com que esta pessoa se prenda em um mecanismo de ilusão de superioridade que as tornam incapazes de reconhecer a própria incompetência. Falando de uma forma bem mais seca e direta:
“Se você é incompetente, você não consegue saber que é incompetente (…)”
O nome efeito Dunning-Kruger se deve ao fato dos fundadores da teoria se chamarem David Dunning e Justin Kruger, dois psicólogos sociais que observaram este efeito acompanhando estudantes e pessoas de diversas áreas. Embora o estudo que originou esta teoria tenha o foco maior em expor esta condição de ignorância, ele é bem mais abrangente e nos ajuda a entender as diversas fases em nossa jornada de aprendizado e as armadilhas que elas possuem. Entender o efeito Dunning-Kruger pode nos ajudar a evitar de cair em diversas armadilhas que geralmente são difíceis de perceber.
Embora o estudo ajude em diversas esferas da vida, resolvi falar dele aqui em um portal de tecnologia porque um dos grandes desafios para quem está entrando ou já está na área é a busca pelo conhecimento. E um inimigo mortal do conhecimento é a ignorância. A teoria foca muito na questão da ignorância. Por sinal, a maioria das referências bibliográficas também focam neste ponto. Neste post, além de falar do aspecto da ignorância, mas em algo que a teoria esbarra e que não deixa de ser interessante, que é a curva de conhecimento x confiança.
Já adiantando, esta curva não é uma regra que se aplica a todo mundo e tão pouco possui valores exatos. Inclusive há opiniões e estudos que confrontam esta teoria. Mas como estamos dando um “pulo” na área de humanas, não há nada muito exato. As teorias nesta área na maioria das vezes são aproximações que descrevem com um grau de acerto um determinado comportamento ou fato.
A curva Dunning-Kruger Conhecimento x Confiança
Segundo a teoria, a confiança de uma pessoa que está aprendendo algo tem relação com o conhecimento que ela adquire ao longo do trajeto de aprendizado. É de se esperar que conhecimento e confiança tenha uma relação linear e quanto mais conhecimento uma pessoa adquire, mais confiante ela fica. O curioso é que não. Antes de chegarmos a um ponto final onde alcançamos expertise e confiança, passamos por um caminho turbulento, onde há um efeito “montanha russa” da confiança. E talvez para a sua surpresa, em certo ponto o aumento do conhecimento até faz com que sua confiança diminua.
Para entender melhor este processo, há o famoso gráfico de Conhecimento x Confiança. Vamos então entender as diferentes fases deste gráfico e suas armadilhas; como elas nos atrapalham e como podemos evitá-las (ou sair delas). Procurei ao máximo manter as “fases” iguais as fases das bibliografias que encontrei, mas tomei a liberdade de nomeá-las no gráfico de forma diferente, para fazer mais sentido. Há também diversas variações do gráfico e vários outros termos envolvidos, mas parti do exemplo mais simplificado.
Primeira fase – O primeiro pico da confiança
Antes de partirmos na jornada de aprender algo novo, geralmente sabemos pouco ou nada. E assim que começamos a aprender, o pouco que aprendemos é algo bem significativo em comparação ao quase nada que sabíamos. Isto faz com que no início, basta um pouco de conhecimento para elevar nas alturas nossa confiança. Isto pela falsa sensação de que aprendemos muita coisa, quando na verdade não sabíamos era nada. Então chegamos no primeiro pico da confiança:
Efeito Dunning-Kruger – Pico dos ignorantes
Este ponto do gráfico é um ponto perigoso, pois muitas pessoas param sua jornada de aprendizado por aqui. Isto porque o pouco que elas aprenderam foi suficiente para elevar a confiança destas pessoas nas alturas. E elas ficam cegas, com um falso senso de expertise e superioridade. É nesse ponto do gráfico e nesse tipo de pessoa que o estudo de Dunning e Kruger tem seu maior foco. Este pico é na maioria das vezes referido como “o pico dos ignorantes” e o estudo muitas vezes utiliza o termo “ignorante” para as pessoas que decidem parar por aqui. Eu não usei o termo “Pico dos ignorantes” porque em minha opinião, seria generalizar este termo “pesado” para aquelas pessoas que nãos se deixam cegar pela confiança e ignorância neste ponto.
É importante lembrar aqui que não quero dizer que excesso de confiança é algo ruim ou que uma pessoa com confiança é uma pessoa ignorante. Até porque a confiança traz positividade e energia para o aprendiz em sua jornada de aprendizado. A teoria traz um alerta para aqueles que se deixam cegar pelo excesso da confiança e estacionam neste ponto, se superestimando com o pouco que aprenderam.
Os que não param neste ponto e continuam na jornada de aprendizado irão experimentar uma outra fase e consequentemente outro nível de confiança. Daí vem a segunda fase do gráfico.
Segunda fase – Cai a ficha
Se a pessoa não parou no “Pico do ignorante”, ela continuará a buscar mais e mais pelo conhecimento. À medida que o conhecimento aumenta, mais a pessoa percebe o quão complexo é disciplina que está estudando. Isto porque quanto mais ela vai aprofundando na busca pelo conhecimento de determinada disciplina, mais termos, áreas e subáreas dentro desta disciplina irão aparecer.
Dunning e Kruger sugerem que à medida que a experiência com um assunto aumenta, a confiança normalmente cai para níveis mais realistas. À medida que as pessoas aprendem mais sobre o tópico de interesse, elas começam a reconhecer sua própria falta de conhecimento e habilidade.
Isto faz com que “a ficha caia” para esta pessoa, e ela perceba que na verdade “o buraco é mais fundo”. Esta sensação de que há muito mais a aprender do que a pessoa imaginava faz com que a confiança desta pessoa diminua por perceber que ela não sabia tanto quanto imaginava. Esta fase é a “Cai a ficha”.
Efeito Dunning Kruger – Cai a ficha
Mas a pessoa continua em sua jornada. E vem uma fase turbulenta…
Terceira fase – Vale do desespero
Então essa pessoa começa a absorver mais e mais conhecimento e quando mais ela estuda, mais coisas aparecem. E quanto mais acumulam conhecimento, mais questionamentos aparecem e mais a confiança cai. Há diversos fatores que fazem a confiança diminuir: o fato de a pessoa achar que é muita coisa para aprender, o cansaço físico e mental de estar absorvendo muitas coisas e a sensação de que não está “saindo do lugar” são um destes fatores.
E aí chegamos a um outro ponto perigoso do gráfico: O “Vale do desespero”. Neste ponto, o grau de confiança da pessoa chegou ao seu ponto mínimo e ela possui a falsa sensação de que não aprendeu nada no caminho e muitas pessoas param por aqui por desapontamento, cansaço e é claro, pela falta de confiança. É aqui que alguns pensamentos aterrorizam a cabeça das pessoas, como:
- “- Eu nunca vou conseguir”
- “- Nunca vou aprender”
- “- É muito complexo”
- “- Estudei, estudei e não vi progresso”
Este tipo de pessoa tem como costume fazer o contrário da que está lá no “primeiro pico”. Ela subestima a si mesma e não tem noção do potencial que possui. O conhecimento que ela adquiriu até chegar a este ponto pode a deixar confusa, por gerar sempre mais e mais perguntas. É uma briga contra o próprio conhecimento.
Efeito Dunning Kruger – Vale do desespero
Aquela pessoa que para aqui será uma pessoa que “nadou e morreu na praia”, porque logo mais à frente é que os resultados irão aparecer.
Quarta fase – A ascensão do expert
Esta é a fase em que há um ponto de virada no gráfico. Chegará a um ponto em que o conhecimento da pessoa irá aumentar de tal forma que ela se sentirá mais familiarizada com a disciplina, e inclusive tenha expertise suficiente para separar as coisas que ela precisa aprender das que não dentro desta própria disciplina, tornando seu aprendizado mais eficiente e direcionado. Ela aos poucos começa a dominar várias vertentes da disciplina e perceberá que tem bastante bagagem de aprendizado que foi adquirido no caminho.
Perceberá por conseguir ver sentido no que aprendeu e colocar em prática, por saber responder às perguntas e principalmente por não mais assustar com coisas novas. Ela já viu tantas coisas em seu caminho que a sua visão dentro da disciplina já alcançou diversos horizontes. Se na fase do “Cai a ficha” ela estava começando a assustar ao ver o mundo de coisas para aprender crescendo diante dela, na fase da “ascensão do expert” ela já navegou por muitas partes deste mundo, e coisas novas já não a assusta mais, pois já conseguiu formar uma boa base de conhecimento no caminho.
Com isto, seu nível de confiança começa a melhorar novamente e irá chegar a um nível semelhante ao que teve na fase do “primeiro pico”. Porém será uma confiança construída em uma base sólida de conhecimento. E é neste ponto em que chegamos a um grau de expertise em uma determinada disciplina.
Gráfico Efeito Dunning Kruger
Esta fase também tem suas armadilhas, pois um expert às vezes pode errar pelo excesso de confiança. Este excesso pode virar arrogância e este expert pode achar que a opinião dos demais não importa. Pode até mesmo achar que todo mundo está na fase do “primeiro pico” e ter pensamentos como:
- “- Ele é novo, tem muito a aprender ainda.”
- “- Confie em mim.”
Outros pensamentos / comportamentos negativos que surgem nesta etapa são:
- “- Já fiz isto um milhão de vezes”
- “- Nem adianta tentar. Não vai dar certo”
Estes tipos de pensamentos não são somente autodestrutivos, como prejudicam outras pessoas que estão em outras etapas do gráfico. Qualquer um tem sempre algo a nos ensinar. Seja um expert, uma pessoa que não sabe do potencial que tem ou um iniciante que está superconfiante por ter aprendido pouco. Negligenciar opiniões dos outros pode trazer impactos negativos na confiança das mesmas e no relacionamento com elas.
Conforme já disse, este gráfico não é algo que é exato. Retrata com certa semelhança a variação de confiança que muitas pessoas têm no decorrer do processo de aprendizado. Ele pode ser menos intenso para uns, mais demorados para outros ou até mesmo não se aplicar, dependendo da pessoa. Podemos utilizar da teoria por trás deste estudo a nosso favor para termos a consciência do que possa estar acontecendo com nós mesmos durante a jornada de aprendizado.
O que podemos aprender o gráfico Dunning-Kruger
Tente entender em qual ponto você está
Vamos supor uma situação em que há três pessoas juntas, cada uma em um determinado ponto do gráfico. Um ambiente de trabalho é um bom exemplo para isto. Nele temos:
- Sujeito 1: Um iniciante inexperiente, mas que está estudando um determinado assunto dentro de sua área de atuação e que está começando trabalhar nesta área. Ele está na fase do “Primeiro pico”;
- Sujeito 2: Um técnico com uma certa experiência, é competente e está passando por um processo de aprendizado intenso e está na fase do “Vale do desespero”;
- Sujeito 3: Um líder técnico que já passou da fase da “Ascensão do expert” e é um expert na função em que eles três estão trabalhando;
Em um debate envolvendo as três, o iniciante que sabe pouco, mas que está bem confiante de si eleva sua voz e fica cheio de opiniões. O técnico, que está no vale da sua confiança sobre o assunto até sabe mais que o iniciante, mas sua falta de confiança o impede de perceber isto. Ele então decide ficar quieto ou opinar menos vezes. O expert vez ou outra irá dar opiniões.
Pode acontecer de que no final da discussão a impressão de que todos ao redor terão é de que dos três, o iniciante é o que sabe mais das coisas e tenderão a confiar mais nele e até duvidar do técnico que já sabe bastante coisa.
Pode haver diferentes combinações para esta situação, como por exemplo um debate entre o sujeito 3 e o sujeito 1, sujeito 1 e sujeito 2, e por aí vai. É sempre bom entender o lado em que você estar para:
- Caso esteja na posição do sujeito 1, cuidado para não abafar a opinião dos outros com seu excesso de confiança. Mas por favor, depois de ler este post, não se cale, achando que sua confiança é cega e que seu conhecimento é pouco.
- Caso esteja na posição do sujeito 2, tome cuidado para não se “diminuir” na conversa, sendo que poderia contribuir mais;
- Caso esteja na posição do sujeito 3, utilize sua expertise para poder conduzir o debate de uma forma em que ambos ganhem com o seu conhecimento e tome cuidado também com seu excesso de confiança.
Saiba dos erros que você pode cometer em cada etapa do gráfico
Apesar de ter sido demonstrado o exemplo de um debate, há diversas situações em que devemos nos policiar e não cometer os vícios de cada ponto do gráfico: No aprendizado, na relação com família, no trabalho e em qualquer tipo de relação social. No geral, cada etapa possui seus vícios / erros que podem nos atrapalhar na jornada do aprendizado:
Na fase do “primeiro pico” as pessoas:
- Superestimam os seus níveis de habilidades
- Falham em reconhecer as habilidades (mesmo as genuínas) de outras pessoas
- Falham em reconhecer seus próprios erros e falta de habilidade
Na fase do “segundo pico”, as pessoas:
- Sentem-se cansadas e frustradas, achando que o aprendizado não está valendo a pena
- Subestimam a elas mesmas, e se reservam, deixando de provar o valor que tem
- Desistem de continuar aprendendo
Após atingir a expertise, as pessoas:
- Podem ficar arrogantes e desconsiderar a opinião dos outros
- Fica presa em dogmas
- Assim como na fase do “primeiro pico”, podem ser cegadas pelo excesso de confiança que a impedem de aprender mais ainda
Como evitar cair nas armadilhas do efeito Dunning-Kruger?
É muito fácil estudar sobre o efeito Dunning-Kruger e enxergá-lo nos outros. Mas o desafio maior é reconhecer este fenômeno em nós mesmos. Há algumas práticas que podem nos ajudar a não cair nas armadilhas deste efeito:
Pratique o autojulgamento: O maior desafio é desenvolver a capacidade de olhar para si mesmo de um ponto de vista diferente. Muitas vezes julgamos a nós mesmos apenas pelo nosso próprio ponto de vista, que é limitado e altamente subjetivo. E desta perspectiva subjetiva somos incapazes de reconhecer algo que está indo errado conosco. Seja a arrogância que pode nos pegar no primeiro pico e na expertise ou a falta de autoestima durante a descida até o “vale do desespero”.
É preciso que façamos o exercício de nos “olharmos por fora”. E que sejamos honestos em nossos próprios julgamentos, além de realizá-los de forma rotineira.
Peça feedback: Perguntar aos outros sobre seu comportamento é uma estratégia efetiva. É importante que a pessoa seja honesta e esteja disposta a fazer críticas construtivas. Mais importante ainda é nós estarmos abertos a escutá-las. Críticas nem sempre são agradáveis de ouvir, mas podem nos dar dicas valiosas de como os outros nos veem e abrem oportunidades de melhoria.
Nunca pare de aprender: Sempre há algo a aprender. Mesmo que você ache que não tem mais nada a aprender sobre determinado assunto, continue se aprofundando e procurando por mais informações. Sempre encontrará algo. Se por exemplo você domina uma determinada linguagem de programação, dê uma olhada em vários projetos de outras pessoas com esse mesmo tipo de linguagem e verá que há diferentes formas de resolver um mesmo problema. E essas visões diferentes e novos conhecimentos que você adquire irá ajudar a combater a impressão de que você é um especialista que não precisa aprender mais nada. Ou até mesmo fazer com que você perceba que ainda não é um especialista.
Sempre se questione: Mesmo que você faça um autojulgamento e peça feedback, é possível ainda de você dê ouvidos apenas às coisas que lhe interessa. Este é um viés conhecido como o “Viés da confirmação”. Tome cuidado com este viés e sempre procure por ideias e opiniões que questionem suas crenças. E desafie a si mesmo, fazendo um debate interno tentando provar o quanto você está errado sobre determinado conceito.
Finalizando
Como já disse, falar de efeito Dunning-Kruger não é falar de portas lógicas. A teoria foi fruto de um estudo publicado por volta de 1999 e se trata das áreas de humanas, que é uma ciência não exata. A teoria, inclusive, tem seus críticos opositores e até demonstrações de que o gráfico deveria ser diferente.
Mas pensando a partir deste modelo pode nos ajudar em nossa jornada rumo ao aprendizado. Esta jornada pode ser uma experiência frustrante, cheia de tropeços e momentos de desânimo. Ela começa como algo que nos deixa cheio de ânimo e confiança, mas logo se revela como uma caminhada árdua, vagarosa e acaba em certo momento virando uma batalha entre nossa força de vontade e ironicamente a quantidade intimidante de conhecimento que aparece diante de nós. O importante é se mover. Quanto mais você estuda, mais aprende e ganha conhecimento. E em um momento conseguirá alcançar o topo, vencer e se tornar um expert.
O post desta vez foi um pouco diferente, voltado para aspectos psicológicos do aprendizado. Somos de uma área de exatas e gostamos de tecnologia, mas às vezes é bom entender de aspectos que influenciam no nosso comportamento, pois entendendo a nós mesmos e de vários fenômenos psicológicos que nos atinge, conseguimos dar o máximo de nós mesmos não somente em nossa jornada de aprendizado, mas para ser um sucesso como pessoa.
Como sempre, espero muito que estes minutos de leitura tenha agregado algum conhecimento e valor para você. Caso sim agradeceríamos muito se considerasse e compartilhasse, para que seja útil a mais pessoas também. Este é um assunto bem aberto e que depende muito de pontos de vista. Se quiser contribuir com o seu, adoraríamos que comentasse. Muito obrigado pela leitura, um grande abraço e até o próximo post!
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